quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Romeu e Julieta


(Romeu)
É o clarão da despedida, dizem quantos o doente estão velando.
Oh! poderei chamar clarão a esta hora?
Ó meu amor! querida esposa!
A morte que sugou todo o mel de teu doce hálito poder não teve em tua formosura.
Não; conquistada ainda não foste; a insígnia da beleza em teus lábios e nas faces ainda está carmesim, não tendo feito progresso o pálido pendão da morte.
Ah! querida esposa, por que ainda és tão formosa?
Pensar devo que a morte insubstancial se apaixonasse de ti e que esse monstro magro e horrível para amante nas trevas te conserve?
Com medo disso, ficarei contigo, sem nunca mais deixar os aposentos da tenebrosa noite; aqui desejo permanecer, com os vermes, teus serventes.
Aqui, sim, aqui mesmo fixar quero meu eterno repouso, e desta carne lassa do mundo sacudir o jugo das estrelas funestas.
Olhos, vede mais uma vez; é a última.
Um abraço permiti-vos também, ó braços!
Lábios, que sois a porta do hálito, com um beijo legítimo selai este contrato sempiterno com a morte exorbitante.
Vem, condutor amargo!
Vem, meu guia de gosto repugnante!
Ó tu, piloto desesperado!
Lança de um só golpe contra a rocha escarpada teu barquinho tão cansado da viagem trabalhosa.
Eis para meu amor.
Ó boticário veraz e honesto!
Tua droga é rápida.
Deste modo, com um beijo, deixo a vida.

(Julieta)
Que vejo aqui?
Um copo bem fechado na mão de meu amor?
Certo: veneno foi seu fim prematuro.
Oh! que sovina!
Bebeste tudo, sem que me deixasses uma só gota amiga, para alivio.
Vou beijar esses lábios; é possível que algum veneno ainda se ache neles, para me dar alento e dar a morte.
Teus lábios estão quentes.
Ouço barulho.
Preciso andar depressa.
Oh!
Sê bem-vindo, punhal!
Tua bainha é aqui.
Repousa ai bem quieto e deixa-me morrer.

(Cai sobre o corpo de Romeu e morre.)

Romeu e Julieta
William Shakespeare